terça-feira, 14 de outubro de 2008

Para M Cruz e Cruz M

São duas: Cruz M e M Cruz. Trezentos e oitenta reais pela corrida de um táxi, dois mil e oitocentos reais pela aposentadoria e cento e setenta e oito mil reais pela total revelia. Para que a balança fosse presente era necessário a medida de frases precisas . Enquanto isso, Cruz M e M Cruz poderiam argumentar, mas, tristemente, só haviam de calar. Quando uma beirando aos setenta não era, outra beirando aos cinqüenta nunca haveria de ser. Poderiam cruzar a esquina seguinte? Não, aqui, esquina só se vê nas lembranças da cidade deixada há quase meio século.

Ontem, o IML.

- Sim, haviam dois carros grandes com várias caixas. É certo dizer caixas? Não entendo de marcas de carro, pareciam vans.

Cruz M perguntou à atendente sobre o laudo de agosto ou setembro de 1997.
- Você foi funcionária? - disse a atendente
- Não, presidiária - disse Cruz M.

Agora a salvação poderia estar num laudo. No carro, M Cruz, depois de dois princípios de derrame, nos dias anteriores, parecia conformada.

- Eu? Várias tentativas, mas toda a papelada mal traçada de meio século e meia década em muitas horas e poucos dias...
- O quê?
- Não consegui borracha suficiente.
- Mas você queria apagar?
- Não, só queria...

Não sei ao certo quando surgiu o primeiro degrau abaixo. Só posso dizer que depois que M Cruz teve Cruz M, ela trabalhou muito. Ah, fez várias interrupções para o não-aparecimento de outra Cruz ou outro Cruzo. Eu não entendo isso, então falo interrupção. Pense o que quiser. Sou totalmente contra, mas não julgo, não consigo falar nisso, não consigo acreditar nisso. Cruz M, desde a adolescência, experimentou quase todas as balinhas, cheirinhos, fumacinhas e trabalhou pouco. M Cruz nunca casou. Cruz M casou antes dos vinte. Talvez, Cruz M tenha interrompido os experimentos por alguns tempos. Depois, largou o marido. Separação acontece. Ela me disse que ele batia nela. Não existia delegacia da mulher naquela época. Na verdade, nem sei quem bateu em quem. Depois, é certo que toda a vasta experiência reapareceu mais brilhante do que antes e Cruz M largou o emprego, o cuidado com os filhos... Eles foram morar com o pai, eram crianças. M Cruz fez tudo o que poderia fazer por Cruz M. Agora, Cruz M fazia tudo por M Cruz.

- É um absurdo você falar isso. Elas não fizeram quase nada. Aliás, não fazem praticamente nada.
- M Cruz ajudou-me na adolescência e Cruz M dava-me algumas roupas.
- Não acredito. Você já pagou por isso inúmeras vezes.
- Gratidão não tem preço.
- Você, ainda, acredita que alguma coisa vai melhorar?
- Hoje, eu preciso acreditar. Só hoje. Na parede aqui de casa, elas estão lindas. Você já viu, né?
- Vi.
- E naquela época não existia photoshop.
- É.
- É, pelo menos na parede aqui de casa, elas estão tão lindas....

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

DEPOIS

Depois da ligação anterior ao alvorecer,

Depois do estreito em seu coração,

Depois do fôlego reduzido,

Depois do estalo em seu ser,

Depois de seus olhos embaciados,

Depois do vôo do álbum de retrato,

Depois da firmeza restabelecida,

Depois da corrida pelas disposições,

Depois do esforço pela caixa merecida,

Depois da busca pelas vestes alvas já recomendadas,

Depois da escolha pelo traje sombreado,

Depois de receber tantos sentimentos,

Pode segurar-se,

Pode distanciar-se deles,

Pode demovê-la a um outro campo,

Depois recebeu um lenço,

Depois verdejou o pranto,

Depois amansou-se,

Depois, muito depois...