quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A vida de Estela

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Quando acordou, ele já não existia.
- Adeus, Plutão.
O desarranjo por vir era uma certeza desprezível.
Desligou o abajur. Revolveu-se. Não quis alcançá-lo.
Que outra força gravitacional poderia os reunir?
- Às vezes se faz necessário partir, mesmo quando não se está pronto.
Contar consigo mesma era uma realidade presente.
- Artur, tem alguém chamando você no interfone! Meu filho, o que você vai hoje?
- Brincar.
- Ah...
Artur tomou o café da manhã como de costume e foi ao encontro dos amigos.
Estela parecia grudada na cadeira, olhava a mesa posta, enquanto apoiava o braço esquerdo sobre a mesa e a mão sobre o queixo. Dali, avistava um sábado de céu azul, ensolorado. Tudo parecia seguir o ritmo de sempre.
No máximo em dois dias teriam que se falar para a renovação da matrícula do Artur.
Detalhes burocráticos, ela sabia.
...
- Pelo menos, a luneta ficara.
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Mais tarde, a noite prometia satélites.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A vida de Estela

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Acreditava em muita coisa. Acreditava até que aquele político havia se tornado uma pessoa melhor. Ela gostava de acreditar. Era uma acreditadora. Ontem, acreditou que no final daquela tarde primaveril, conheceria alguém especial. Pensou em ir a alguma exposição. Imaginou que entre uma tela ou escultura, admirada com o que via, alguém ao lado faria um comentário em bom e quase alto tom, ela faria uma intervenção, daí surgeria um encontro para o resto de sua vida. Bem, não precisava ser para o resto de sua vida, mas para uma parte considerável dela, assim pensava.
- Sinto o conflito expresso no vermelho que ensanguenta a tela. - disse um homem qualquer.
- Engraçado, pois eu vejo vida, vida em abundância.
Bem que o encontro quase acontecera. Mas mal começara no ponto final do abundância. Estela desejara um abraço. Nem os livros que ela dava tanta importância, tiravam dela aquela vontade de afago. Não era chegada em bares, mas adorava cafés.
Em muito, há de se depender do outro e era, justamente, nisso que a vontade dela esbarrava.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

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Deixou a porta entreaberta. Se aquela fosse a hora, pelo menos alguém saberia. Pensava nisso repetidadamente. Desapareceria. Passaria por? Fechou os olhos, respirou profundamente. Estava bem? Seria capaz de fazer o quê? Estaria caminhando ou flutuando? Ao certo, desapareceria. Imaginou, alguém oferencendo-lhe as mãos, alguém a olhando. Quem seria? E os próximos passos.
Desapareceria...

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Morfina e outros fins

E é por tudo o que via, que via beleza em si.
E é por tudo o que via, que insistia.
E é por tudo o que tinha, que pedia mais e mais uns dias.
Ela sabia que a hora estava perto, mas em orações a chegada impedia.
Ela sabia que a hora estava perto e, em meio a lágrimas, sorria.
Ela sabia. Ela sentia.
Hoje, sentiu poucas dores. Hoje, fentanil não é de uma cor reluzente, mas nem por isso ela esqueceu-se de agradecer.