segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Abriu a pequena mala e colocou poucas peças de roupa. Pegou a boneca que mais gostava e guardou-a junto ao vestido mais bonito que tinha. Olhou seu quarto e despediu-se daquilo que não poderia levar. Observou as almofadas em formato de coração que enfeitavam sua cama e chorou. Eram vermelhas com babadinhos brancos. Todos os dias, sem que ninguém percebesse, pedia a Deus que a resgatasse daquela cidade rodeada de morros e espinhos. Aos quinze anos e três meses de vida, tinha urgência. Os pais pensavam ser apenas um mês de férias, porém, antes da partida, avisou: “nunca mais volto aqui”. Eles não acreditaram. Aos nove anos, quando da mudança de sua terra natal para aquela outra cidade, ela disse: “Esse lugar para onde vamos só nos trará tristezas”. Eles também não acreditaram. Agora, aos quinze, ninguém tiraria dela a escolha pela vida. No ônibus, aqueles olhos fundos e embaciados voltavam, aos poucos, a sorrirem. Não pensou se os tios não iriam acolhê-la. Não pensou em mais nada. Era ela, Deus e a pequena mala. E isso bastava. Quase ao final das férias, decidida, falou aos tios que não retornaria. Divididos, aceitaram-na. Muita coisa aconteceu, e muito, muito tempo depois, ao encontrar-se com sua prima, ouviu a seguinte confissão: “não gosto daquele lugar, sinto saudades daqui, de onde era feliz”. Maria Cecília nunca entendera porque um casamento seria capaz de fazer com que seus pais e outros parentes fossem para aquele lugar. Mais de quinze anos passados, enxergou a tristeza no olhar de sua prima, quase vinte anos mais velha do que ela, mas entendeu que aquela mudança insana de antes quem havia escolhido era ela. Teve vontade de colocá-la em seus braços e mudar todo o roteiro daquela biografia. Lembrou-se da sua intuição de menina e pensou: "se tivessem escutado o que disse?" Mas era tarde demais.

10 comentários:

Karen disse...

Lindo...
mas sabe, acho que nunca é tarde demais. Podemos nnao ter mais exatamente as mesmas coisas, mas jamais podemos pensar que é tarde demais para nos sentirmos felizes.

bjs

Sheyla disse...

Karen,
Infelizmente, nesse caso é tarde demais. A prima enterrou seus pais e alguns outros naquele lugar. A idade avançou. Mas três frutos foram semeados lá. Talvez, não do jeito que tenha sonhado, mas, sinceramente, prefiro pensar que ela é feliz.

Helena Castro disse...

sheyla, como é importante que as pessoas ouçam a gente, né?

beijos, helena

Sheyla disse...

Helena,
Escutar é um dos maiores prazeres dessa vida. Ouvir as histórias de vida das pessoas e refletir. A gente aprende muito. Mas escutar os sinais que a vida nos mostra é o que pode nos salvar. Bjs

sblogonoff café disse...

Ei!
Você já leu o conto de Guimarães Rosa "A menina de lá" ?!
Era mais ou menos algo assim, profético.
As escolhas são feitas e as consequências vêm com elas.
Mas sabe, acredito que temos pés, e não raízes. De uma certa forma, estamos no lugar certo e temos lá a bagagem necessária para vivenciar as experiências. Pessoas vão e vem, uns nascem, uns morrem e tudo faz parte da vida, apesar das dores. As escolhas dos outros interferem no curso de nossa vida, mas está em nossas mãos as sementes brilhantes que tornam a nossa existência, seja lá onde estivermos, mais feliz!

Palavras de uma menina que tem um pai com alma cigana e que nunca morou mais de quatro anos no mesmo lugar!

****
Sobre o meu post...
A questão não eram os santos. Muitos compraram a canonização, e lá lá lá...
A questão é a fé!
Aos poucos a gente aprende como ela remove montanhas e pacifica o coração.
A rosa foi apenas um sinal para eu não duvidar!

Quero muitas rosas, queros jardins, anseio pela primavera, para mim, para você, para a garota do post (!) para todos nós!!!

Um grande abraço!

Sheyla disse...

Michele,
Ainda, não li esse conto do Rosa, mas já vou atrás.
Realmente, gosto das suas palavras. É grandioso quando alguém escreve algo que nos faça parar e pensar e, principalmente, repensar.
Uma das possibilidades do texto é a energia do lugar. Tem muito do que acredito.
Tenho um probleminha: a dificuldade em expor em palavras minhas idéias. Segue uma tentativa: acredito que para cada um de nós há reservado um lugar especial, independente de ter nascido nele ou não. Então, quando há esse encontro pessoa/lugar ocorre o que poderia chamar de quietude espiritual/sobrenatural.
Sei que para alguém que é cigano, de origem cigana, ou que não acredite nessas minhas "crenças" talvez seja algo "esquisito". Respeito e muito as idéias de desprendimento,etc.
Bem, isso é um pouco de mim. Alguém que acredita em Deus e nos sinais.
Bjs mil.

Mustafa Şenalp disse...

çok güzeel site .:)

sblogonoff café disse...

Sobre os lugares...
A vida me fez acreditar que minha casa está onde está meu coração. Acho que isso engloba o que eu penso e o que você acredita!
Tem um filme que ilustra muito bem isso de "lugar certo para cada pessoa". TRAZIDO PELO MAR. É um romance, aliás, um dos meus preferidos. Vale a pena ver.

MAs aqui, em Brasília, em qualquer lugar: QUERER BEM!

Beijos e Sopro de Eves!

Otavio Oliveira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Otavio Cohen disse...

eu poderia até desar que nunca é tarde demais, mesmo antes de ter lido o comentário da karen. é o que dizem né...

tem coisa q não volta atrás. e tb n acho que devemos nos adaptar as mudanças da vida. ´´e ela que tem q se adaptar as nossas mudanças.

obrigado pela visita no meu blog.
volte sempre ;)