sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Para Marlene

Depois de mais ou menos um ano, a despedida foi repleta de luminosidade.
Antes, a chegada deles...
Quando você trouxe a encomenda, eu disse obrigada.
Animada, pediu que eu experimentasse.
Naquela tarde nublada, era novembro de 1988, o corredor que separava a sala dos três quartos parecia um caminho desconhecido. Talvez, o abrigo seguro de um último fio não encontrado. Talvez.
No quarto, ao tirar o lenço suavemente florido que envolvia a cabeça, percebi a leveza da encomenda.
Do lado de fora, você perguntava:
- Já experimentou?
Sem olhar a encomenda, coloquei-a e, timidamente, abri a porta.
Rapidamente, levou-me ao espelho do banheiro que ficava ao lado do quarto e, delicadamente, penteou os cabelos dizendo:
- Pareço uma dama de companhia, uma ama daqueles filmes antigos, e você está igualzinha uma princesa.
- Eu?
- Além de macios e naturais, esses cabelos têm uma luminosidade, né?
Meus olhos profundos de nascença elevaram-se, aos poucos, ao encontro da luz que aqueles fios guardavam.
Com o passar das nuvens sombreadas, os fios tornaram-me mais e mais brilhantes. Talvez, nunca saberei de quem eram mas, nos meses seguintes, eles também eram meus.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Desistência Provisória

Tristeza era presenciar o riso e esperança era de que fosse o riso um aflito. Lembrou-se das muitas vezes que fôra ao espetáculo e dos sorrisos emolientes e repartidos no circo. Desde os primeiros passos do palestrante, Maria Cecília percebera os trejeitos copiados e sombreados pelo terno desenhado.
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Intuição?
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Enxergou a pena e viu que era pesada, mas, tristemente, era uma pena.
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Das quatro palestras apresentadas nas últimas quatro semanas, Maria Cecília deu graças a Deus pela licença médica que justificou sua ausência da primeira. A quarta proferia gradiosamente a série: atentados à delicadeza cultural. Por hora, o responsável pelo show dizia aos tolos do templo faraônico, no afã da inteligência alcançada, que conhecia o que afirmava.
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- Quem sou eu para duvidar, pensava Maria Cecília.
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O tronco gritava e os tolos do templo faraônico vibravam. Vibração aflita, Maria Cecília esperava.
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Até aquele intitulado compositor cantou um aceno encantado diante do desmilingüido orador. Empolgado, o sujeito-palestrante comemorava a citação do filósofo X e do filósofo Y. Disparava ainda, a agenda das palestras seguintes.
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Depois, deu-se início ao arroto de palavrões. Seria uma das tentativas de aproximação aos faraônicos súditos?
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Bravamente, ele prosseguia e, bravamente, conseguia. O show de trejeitos baratos e bem remunerados, ainda, rosnava:
- Podem anotar e copiar. Se eu copiei de alguém, vocês podem copiar também!
- Hum... Deus salve a rainha! O palestrante assinava, realmente, estar um copiador! E que esquizóide cópia era aquela? Assim, pensava Maria Cecília.
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Há tempos a prudência levara Maria Cecília a uma desistência provisória.
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Ela desistia. E desistia provisoriamente.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A vida de Estela

Sobre a cama de casal haviam quatro travesseiros. Dois de plumas e penas de ganso e outros dois de um material que ela não recordava. Quando foi puxar um dos travesseiros de plumas e penas de ganso no qual ele apoiava-se, ela percebeu um ruído que sugeria algum tecido rasgando-se. Como estava sonolenta, não quis conferir o que acontecia. Pegou esse travesseiro e o outro também de plumas e penas de ganso e colocou-os em cima de uma cadeira próxima. Assim, os dois poderiam dormir com os travesseiros que mais gostavam. Os outros de plumas e penas de ganso serviam apenas como adorno. Ele dormiu. Ela não. Maria Cecília começou a pensar o que poderia ter provocado a rasgadura no tecido. Sabia que aquele travesseiro não era usado e que só de vez em quando trocava os tecidos que os cobriam. Não lembrava a última troca e pensou que o tecido já poderia estar rasgado quando ela trocou-os. Sorriu. Pensou que já era tarde da noite e ela preocupada com um detalhe desses... Sorriu novamente. Esqueceu-se dos travesseiros e lembrou-se do que acontecera durante aquele dia. Por volta de meio dia e meia, Maria Cecília não encontrou vaga próxima ao restaurante no qual almoçavam três vezes por semana. Depois de duas insistências, ela avistou um carro em outra direção estacionado abaixo de uma grande copa de uma mangueira. Parou por ali. Quando saiu do carro, não foi ao restaurante esperá-lo como de costume. Ligou e disse para que ele estacionasse dentro da quadra, uma vez que uma vaga estava difícil. Depois da ligação, achou melhor caminhar um pouco para que ele pudesse avistá-la assim que chegasse. Começou a escutar um ruído gostoso. Caminhava devagar e à medida que seus pés encontravam as muitas e muitas folhas secas, uma aurora de quietude dava-lhe a mão como companhia. Os pés de Maria Cecília pararam e ela permitiu-se aquele instante. Viu muita vida. Viu uma mulher por volta dos quarenta e uma menina que aparentava dez anos com uma mochila nas costas. As duas estavam de mãos dadas, talvez mãe e filha. Viu três rapazes por volta dos quinze. Falantes, brincalhões... Com a chegada de uma brisa confiante, ela viu que muitas e muitas folhas caíam de uma árvore avivando um movimento diagonal. Ao mesmo tempo, um carro alto, estilo pick up, na cor prata, passava ao seu lado e trazia uma menina por volta dos sete anos. Ela usava óculos de grau e fitou Maria Cecília com uma meiguice no olhar. Também, ao mesmo tempo, a menina com o dedo indicador da mão direita ajustou os óculos, e Maria Cecília, também, com a mão direita retirou os escuros. Paradas, Maria Cecília, abaixo de uma árvore, e a menina, dentro daquele carro em movimento, olharam-se ternamente. Então, o carro se foi. Ele surgiu e Maria Cecília contou sobre a alegre quietude. Mais alguns instantes e, de olhos estrelados, chegaram ao Girassol colorido que aguardava os dois.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Para M Cruz e Cruz M

São duas: Cruz M e M Cruz. Trezentos e oitenta reais pela corrida de um táxi, dois mil e oitocentos reais pela aposentadoria e cento e setenta e oito mil reais pela total revelia. Para que a balança fosse presente era necessário a medida de frases precisas . Enquanto isso, Cruz M e M Cruz poderiam argumentar, mas, tristemente, só haviam de calar. Quando uma beirando aos setenta não era, outra beirando aos cinqüenta nunca haveria de ser. Poderiam cruzar a esquina seguinte? Não, aqui, esquina só se vê nas lembranças da cidade deixada há quase meio século.

Ontem, o IML.

- Sim, haviam dois carros grandes com várias caixas. É certo dizer caixas? Não entendo de marcas de carro, pareciam vans.

Cruz M perguntou à atendente sobre o laudo de agosto ou setembro de 1997.
- Você foi funcionária? - disse a atendente
- Não, presidiária - disse Cruz M.

Agora a salvação poderia estar num laudo. No carro, M Cruz, depois de dois princípios de derrame, nos dias anteriores, parecia conformada.

- Eu? Várias tentativas, mas toda a papelada mal traçada de meio século e meia década em muitas horas e poucos dias...
- O quê?
- Não consegui borracha suficiente.
- Mas você queria apagar?
- Não, só queria...

Não sei ao certo quando surgiu o primeiro degrau abaixo. Só posso dizer que depois que M Cruz teve Cruz M, ela trabalhou muito. Ah, fez várias interrupções para o não-aparecimento de outra Cruz ou outro Cruzo. Eu não entendo isso, então falo interrupção. Pense o que quiser. Sou totalmente contra, mas não julgo, não consigo falar nisso, não consigo acreditar nisso. Cruz M, desde a adolescência, experimentou quase todas as balinhas, cheirinhos, fumacinhas e trabalhou pouco. M Cruz nunca casou. Cruz M casou antes dos vinte. Talvez, Cruz M tenha interrompido os experimentos por alguns tempos. Depois, largou o marido. Separação acontece. Ela me disse que ele batia nela. Não existia delegacia da mulher naquela época. Na verdade, nem sei quem bateu em quem. Depois, é certo que toda a vasta experiência reapareceu mais brilhante do que antes e Cruz M largou o emprego, o cuidado com os filhos... Eles foram morar com o pai, eram crianças. M Cruz fez tudo o que poderia fazer por Cruz M. Agora, Cruz M fazia tudo por M Cruz.

- É um absurdo você falar isso. Elas não fizeram quase nada. Aliás, não fazem praticamente nada.
- M Cruz ajudou-me na adolescência e Cruz M dava-me algumas roupas.
- Não acredito. Você já pagou por isso inúmeras vezes.
- Gratidão não tem preço.
- Você, ainda, acredita que alguma coisa vai melhorar?
- Hoje, eu preciso acreditar. Só hoje. Na parede aqui de casa, elas estão lindas. Você já viu, né?
- Vi.
- E naquela época não existia photoshop.
- É.
- É, pelo menos na parede aqui de casa, elas estão tão lindas....

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

DEPOIS

Depois da ligação anterior ao alvorecer,

Depois do estreito em seu coração,

Depois do fôlego reduzido,

Depois do estalo em seu ser,

Depois de seus olhos embaciados,

Depois do vôo do álbum de retrato,

Depois da firmeza restabelecida,

Depois da corrida pelas disposições,

Depois do esforço pela caixa merecida,

Depois da busca pelas vestes alvas já recomendadas,

Depois da escolha pelo traje sombreado,

Depois de receber tantos sentimentos,

Pode segurar-se,

Pode distanciar-se deles,

Pode demovê-la a um outro campo,

Depois recebeu um lenço,

Depois verdejou o pranto,

Depois amansou-se,

Depois, muito depois...

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Para Estamira

Uma fantasia na MISSÃO
Ou o reino da compreensão?
A VERDADE ABSTRATA
Ou o real que maltrata?

Apenas um provocatório
Ou um clamor pelo alienatório ?
A contenda com DEUS
Seria para os COPIADORES e os ateus?

No alfabeto daquele cenário
Quem seria o emissário?
O exposto ALÉM da paralisia
Ou uma quimera na estesia?

O CONTROLE REMOTO seria lendário
Ou estaria com o PERVERSO do orçamentário?
Talvez és uma LUCIDEZ que desatina,
ESTAMIRA, A COLUMBINA.

http://www.estamira.com.br/

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A vida de Estela

...
Maria Cecília enxergava-se emparedada numa estrada inacabada e extraordinariamente inviável.
Captava a velocidade das imagens que passavam fugazes pela tela.
O lugar incerto e a impressão de um encontro marcado.
O sentido patético: produto da mobilidade desconstruída.
A travessia e o desconserto transportavam inclina e repulsa.
O fluxo de consciência.
O ultrapassar das fronteiras por linhas sutis.
A inação na visão abismal.
A certeza de que qualquer um poderia estar lá: difuso, desenraizado.
A redenção.
A aproximação ao isolamento alegre.
O surgimento de novas forças insondáveis.
A grandeza da não-classificação.
A não-miopia.
A LUZ!

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Calliandra

Caminhamos pela Água Mineral,
Estamos bem, é terça-feira de um mês qualquer,
Celebramos o abono matinal,
Você me fala daquele sonho, confiante, que irá acontecer.

Um barulhinho enquanto eu sorrio,
- Ah, é o joão-de-barro e o tucano-açu que a tua esperança aquiescem,
Fascinados, brindamos aquele cenário
E somos adubados pelas sementes que alvorecem.

Passa um senhor e diz um bom dia musical,
Sentimo-nos bem-aventurados,
Percebemos nele um bendizer fraternal.

As borboletas e os pardais anunciam:
-Amêndoa do baru, araticum, buriti,
gabiroba, jatobá, macaúba, pequi,
Temos todos esses frutos aqui.

De repente, paro diante daquele quintal,
Calliandra, a flor-do-cerrado, um tesouro em cristal,
Revela-se para mim:
- Felpuda, na cor de carmim.

sábado, 20 de setembro de 2008

FRAGILIDADE

A sujeira poderia estar escondida em algum canto ou bem abaixo de alguma rede. Mas não, ela estava lá: esparramada. Por mais que virasse pra outro lado, não tinha jeito, ela estava mesmo era escancarada.
Na noite anterior, a chegada.
- Sim, o hotel é bem confortável e agradável. Recomendo.
Na primeira manhã, um café repleto de guloseimas típicas daquela região.
- Adoro tapioca e cuscuz.
- E a dieta?
- Eu disse um até logo, rs...
Dia ensolarado e calor agradável. A temperatura parecia perfeita, nada escaldante. Domingo, 14 de setembro de 2008.
Tempo de abrir os braços. Tempo de agradecimentos. Tempo de sorrisos.
A brisa do mar, os pés na areia e nós...
Nós caminhávamos...
Enquanto meus pés eram acariciados pelas águas do mar, meus dedos afagavam a areia. Como era seguro aquele encontro...
Sentia-me confiante, liberta de medos. E como era bom estar ao lado da pessoa amada.
Pensava na minha Alegria, mas sabia que ela estava bem. Na despedida, no aeroporto, ela já não chorava mais como das últimas vezes. Quem continuava chorando era eu.
- Mas nem foi uma semana?
- Sim, mas amor e saudade a gente sente, né?
Chegamos muito cedo ao aeroporto. Era sábado, mas eu imaginei que era sexta.
- É, continuo meio enrolada com nomes, datas e horários...
Daí pensei no engarrafamento, meu pai reclamando da quantidade de carro. Que nada! Trânsito tranqüilo, muito tranqüilo. Quando me dei conta, percebi que teríamos quase duas horas de espera pelo vôo. Dentro do carro, minha Alegria sugeriu uma brincadeira.
- Tia Sheyla, enquanto o avião não chega, você pode brincar com o tio Timothy.
- O quê?
- É, você pode brincar de pique-esconde, igual a gente brincou, ontem, lembra?
- Ah, é...rs...
Na noite anterior à viagem, minha Alegria, uma amiguinha e eu brincamos de pique-esconde. Elas escondiam-se e eu tinha que descobrir o esconderijo secreto. Esse passava por dentro do guarda-roupa, embaixo da máquina de costura, etc.
- Ah, se tudo pudesse ser resolvido numa simples brincadeira, né? Adorei a sugestão. Mas, fomos tolos em não colocá-la em prática.
A fome chegou, já eram quase duas da tarde, e muitas barracas com uma estrutura boa à nossa frente. Fomos, sentamos. Nada pensado. Era pura fome de comida, de alimento e só! Uma senhora muito gentil corria de um lado para outro. Eram muitos os pedidos. Quando chegou a nossa vez, escolhemos um peixe que tinha delícia até no nome. Pronto! Pedido feito, agora era só esperar. Sem pressa. Sem nenhuma pressa.
E foi aí que alguma coisa começou. Eram eles, os ianos.
- E?
- E, que eu não queria ver.
- Isso tem aqui, porque não teria lá.
- Tô cansada disso, de saber que tem aqui, que tem lá, que tem em todo lugar. E acho pior quando são eles.
- E daí?
- Daí a gringolândia!
- E quando deixou de ser?
Silencio... Lembro-me de Patativa e o coração ói, ói, ói!
- Já em Canoa, tudo muito lindo! Mas haviam os ães.
- E daí?
- Um deles conversava com um nativo da região. Enquanto o primeiro arranhava um português de arrogâncias, o outro parecia deslumbrado.
- E?
- E eu não acreditava no que via. Daí, um guia turístico disse que enquanto os anos são conhecidos como o primeiro mundo, os ães acham-se os top, e quando encontram um nativo e ingênuo, nada melhor para massagear o ego deles.
- Faz sentido!
- Ah, inventei de comentar sobre os ianos e o guia disse que, infelizmente, uns 95% deles vêm só para aquilo mesmo.
- Um absurdo!
- Uma Sodomorra lá, aqui, em quase todos os ...
- Mas, conta mais...
- Adoramos o Dragão do Mar!
...

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Mais uma afirmação semelhante a tantas outras.
-"Não me arrependo de nada".
....
-Ah, eu? Eu desconfio dos não-arrependidos.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

E o sapato?
E a roupa?
Sentou-se à cama, levou as pernas junto ao coração, abraçou-se.
Enquanto apoiava o rosto nos joelhos, ela sorria....
Um sorriso terno e bonito de se ter.
Há tanto tempo um encontro não acontecia...
O CD da Annie Lennox à mão e a música “Waiting in vain” pra repetir sei lá quantas mil vezes.
Para ela, tudo tinha uma trilha sonora.
Lá fora, até o céu e as estrelas aguardavam aquele encontro.
Algo dizia e ela sentia que aquela espera não seria em vão.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Pararam o carro no acostamento mais próximo. Decidida, ela disse que não poderia mais continuar. Num movimento brusco, abriu a porta do carro. Ele, atordoado, também saiu. Teriam menos de duas horas. Lá fora, uma ventania bagunçava qualquer ordem preestabelecida. Os cabelos sempre escovados pareciam saltar de sua cabeça. Olharam-se... Sorriram... Ele sabia da mania que Maria Cecília tinha em manter cada fio no seu devido lugar.
Segurou-a para si e beijaram-se...
Os carros passando...
A culpa e o medo esvaindo-se com o vento e, aos poucos, tudo voltava a respirar cuidadosamente.
As mãos dadas...
Um vôo intraduzivelmente real!

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Quando penso que naquele ponto reside um grifo, o descanso me vem de outros ânimos, aqueles a quem posso confiar.
A arrecadação trouxe um pouco de alívio para os entes da pequena Bruna, sem contar os três frascos já garantidos para amanhã. Um tal de DDAVP. Nunca tinha ouvido falar. A mensagem do dia é: um frasco por cento e noventa reais e trinta e um centavos para quem ganha quatrocentos reais. A dor de cabeça que não passava há meses, depois o desmaio. E por que não fizeram logo a tal tomografia? Ah, porque esta é a realidade do dia-a-dia. Bruna, 8 anos, a mesma idade da minha alegria.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Vã, Mente?
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Em ti?
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Fim
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terça-feira, 2 de setembro de 2008

No último sábado, já passava das 9 da noite, quando percebi que gotinhas de chuva cantavam à janela. Chamei minha alegria, estendemos nossas mãos e sorrimos, sorrimos muito. Depois de cento e vinte dias sem chuva, a pouca água que caía era um grande acontecimento. Com certeza, mais um dos pequenos milagres da vida que nos acordavam ao contentamento.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Abriu a pequena mala e colocou poucas peças de roupa. Pegou a boneca que mais gostava e guardou-a junto ao vestido mais bonito que tinha. Olhou seu quarto e despediu-se daquilo que não poderia levar. Observou as almofadas em formato de coração que enfeitavam sua cama e chorou. Eram vermelhas com babadinhos brancos. Todos os dias, sem que ninguém percebesse, pedia a Deus que a resgatasse daquela cidade rodeada de morros e espinhos. Aos quinze anos e três meses de vida, tinha urgência. Os pais pensavam ser apenas um mês de férias, porém, antes da partida, avisou: “nunca mais volto aqui”. Eles não acreditaram. Aos nove anos, quando da mudança de sua terra natal para aquela outra cidade, ela disse: “Esse lugar para onde vamos só nos trará tristezas”. Eles também não acreditaram. Agora, aos quinze, ninguém tiraria dela a escolha pela vida. No ônibus, aqueles olhos fundos e embaciados voltavam, aos poucos, a sorrirem. Não pensou se os tios não iriam acolhê-la. Não pensou em mais nada. Era ela, Deus e a pequena mala. E isso bastava. Quase ao final das férias, decidida, falou aos tios que não retornaria. Divididos, aceitaram-na. Muita coisa aconteceu, e muito, muito tempo depois, ao encontrar-se com sua prima, ouviu a seguinte confissão: “não gosto daquele lugar, sinto saudades daqui, de onde era feliz”. Maria Cecília nunca entendera porque um casamento seria capaz de fazer com que seus pais e outros parentes fossem para aquele lugar. Mais de quinze anos passados, enxergou a tristeza no olhar de sua prima, quase vinte anos mais velha do que ela, mas entendeu que aquela mudança insana de antes quem havia escolhido era ela. Teve vontade de colocá-la em seus braços e mudar todo o roteiro daquela biografia. Lembrou-se da sua intuição de menina e pensou: "se tivessem escutado o que disse?" Mas era tarde demais.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

À memória de uma parte de mim

Nasceu em 1920 , casou-se em 1933. Cinco filhos , mais um na barriga e o aviso do falecimento do seu marido. Semelhante à mãe, ela era filha única. Naquele momento, 1946, eram os filhos, a mãe e seu coração que, ainda, não consentia aquela morte. A cabeça, os troncos e os membros poderiam desnortear-se em milímetros de segundos, mas assim como sua mãe, os pés de vó Mariêta eram do norte. Verdejou o pranto, amansou tempestuosos desencontros e, em 1961, descobriu o cerrado, um alumiado recanto. Conheceu um outro homem, talvez, tão especial como o primeiro. Pedida em casamento, disse não. O menor receio de que um homem não agasalhasse seus filhos, passava longe de seu extenso manto. Sorriu muito durante a vida, festejou a família e os amigos. Em 1995, uma parte de mim elevou-se e seguiu...

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Domingo, 24 de agosto, às 4 horas da tarde, a brincadeira era pique-pega. Três meninos, três meninas e as idades variavam entre quatro e onze anos de idade. Enquanto um contava até vinte, os outros cinco corriam. Débora, de 4 anos, é irmã gêmea do Davi. Os dois são irmãos da Beatriz, de 9 anos, a primogênita. Gabriel, de 11 anos, desde o início do pique-pega, anunciou em voz alta, principalmente para o João, de 10 anos, que é bem afoito: "os menores são café com leite". Quando Davi caía, algumas vezes durante a corrida, minha alegria, Letícia, de 8 anos, pegava-o no colo e cantava: "pirei na batatinha". Depois, Davi voltava a correr feliz da vida. Débora não caiu nenhuma vez. Quase uma hora depois, durante o pique-pega, a caçulinha da turma falou: "me espela pessoal", já que daquela vez ela começou a correr, enquanto quem estava no pique já quase chegara ao vinte. Quando Débora ouviu Gabriel falar em café com leite, deve ter pensado no pai que adora café e na mãe que só toma café com leite ou pensou outra coisa qualquer. Mas que sua carinha estava sapeca, estava.

domingo, 24 de agosto de 2008

Pode ser um quarto de um tempo de um dia, ou dois quartos de dois tempos de um mês, ou ... Nenhum ruído traz um novo ânimo, nada. O silêncio que, antes, gritava tudo, agora nem esconde nada. Quando foi a última vez que usei um relógio em meu pulso? Talvez na adolescência. Há mais de vinte anos, talvez. Desconfio de pessoas didáticas. O engraçado é que minha experiência com os didáticos não foram e nem são tão ruins assim. Merecem meu respeito. O que, ainda, me faz acreditar é que ele não é nada didático.

sábado, 23 de agosto de 2008

Como é triste ver a pessoa amada escolher o nada,
quando poderia ser tudo.
Já não mais tento e lamento.
Quando o que há no nada é apatia, o tudo seria, talvez, apenas uma leve calmaria.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

RUMO AOS 82


Brasília, 09 de fevereiro de 2007.

PAPAI,

Hoje, Deus te presenteou logo cedo ao mostrar-te o céu de um azul tão claro e recheado por nuvens que mais pareciam pedaços gigantes de algodão doce. O sol acompanhou o dia e, como as chuvas vêm nos refrescando nas últimas semanas, imagino que o verde das árvores próximas à janela do seu quarto sorriram por mais uma dia estarem perto de ti.
A minha intenção hoje é falar espontaneamente da minha admiração pelo ser humano, filho, pai e avô que o senhor é. Porém, escolhi escrever algumas linhas para não esquecer e, assim, é uma forma do senhor guardar essas singelas palavras que, muitas vezes, ao invés de dizermos, deixamos conosco em nossas mentes.
ANÍSIO vem do grego e o significado é sugestivo: "completo, perfeito". Essa idéia de perfeição para os habitantes desse planeta Terra não existe, mas posso afirmar que o senhor é um homem que tem inúmeras aptidões. Aliás, sempre falo que o senhor deveria ministrar um curso que ensinasse aos homens das outras gerações como desenvolver tarefas que os homens da sua época faziam. Claro que os tempos são outros. Há o avanço tecnológico e os homens desses novos tempos têm outros recursos que o senhor não tem. Mas, se somados os seus conhecimentos com os de agora, talvez a QUASE PERFEIÇÃO!
Anísio Geraldo Ramos quase completo. Um filho que soube honrar os pais, um homem íntegro, um esposo presente, um pai que harmoniza o dia-a-dia da vida familiar e, se não bastasse, um avô que nos ajuda a agasalhar a nossa linda Letícia. Por tantos detalhes tão especiais, muitas vezes não revelados, não pronunciados tanto pelo senhor como por nós: eu - Sheyla-, sua esposa Maria do Carmo, sua filha Alessandra e sua neta Letícia, nesse momento dizemos que AMAMOS você e agradecemos muito a Deus por termos a sua SERENIDADE nos momentos difíceis, os seus SORRISOS nas conversas em família e, até a sua braveza, nos tempos necessários.
Lembro-me de que há uns dez anos nossa relação não era afetuosa como é atualmente, pois amar exige conhecimento, respeito, admiração e, para tudo isso, leva-se tempo. É engraçado como as pessoas dizem eu te amo na maior facilidade. Demorei muito para dizer eu te amo para o senhor. A primeira vez foi naquele aniversário que fizemos para comemorar o seu dia na casa da Sandra, lembra? Pois é, muitos anos passaram. Para o senhor, então, heim?
OITENTA ANOS vividos no maior pique, em plena atividade. Acorda cedo, faz café da manhã, compra pão na padaria, leva e busca a Letícia no colégio, verifica como o prédio está, passa instruções ao porteiro, vai ao banco, toma o seu cálice "sagrado" de vinho, assiste aos telejornais, escuta a CBN, delicia-se com suas músicas favoritas, arranha no computador, cuida do “carrinho”, é assíduo aos encontros filosóficos, redige tudo referente ao condomínio, escreve parágrafos e parágrafos a respeito dos assuntos filosóficos, e não pára por aí. Faz caminhadas aos domingos no parque Olhos d'água, é atento a política do país, tudo isso, sem falar nos três andares que separam o térreo do bloco ao seu “lar doce lar”. Haja fôlego...
Se a maioria da população mundial tivesse a metade da sua VITALIDADE, o mundo, com certeza, seria quase perfeito. Hum, de novo a história da perfeição que é um dos significados do seu nome.
Além de agradecermos a Deus a FELICIDADE de estarmos ao seu lado, rogamos que muitos e muitos anos possamos continuar a desfrutar da sua companhia que tanto nos fortalece e enche de alegria. Nós amamos você do seu jeitinho: qualidades, defeitos, diferenças. Como diriam os sábios, só se conhece alguém quando comemos um saco de sal com essa pessoa, então acrescento que é mais seguro dizer que amamos alguém quando compartilhamos desse sal.
No Salmo 90, versículo 10 lê-se: “Os dias da nossa vida chegam a setenta anos, e se alguns, pela robustez, chegam a oitenta anos, o orgulho deles é canseira e enfado, pois cedo se corta e vamos voando.” No entanto, no Salmo 92, versículos 12-15 lê-se: Os que estão plantados na casa do Senhor florescerão nos átrios do nosso Deus. Na velhice ainda darão frutos; serão viçosos e vigorosos. Para anunciar que o Senhor é reto. Ele é minha rocha e nele não há injustiça.”
Então, super ANÍSIO que o SENHOR JESUS continue a trazer o perfume do AMOR para a essência do seu ser, este humano que a sua família conhece, admira e tem orgulho de ter.

Com carinho,
A sua família.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Toda vez que preciso juntar os cacos de minh'alma, vejo-me criança e peço para ser essa a última vez. Com o passar do tempo, sinto o perfume do alívio, esqueço e sigo. Com o passar de mais um tempo, o enjôo do amargo ressurge. Emendados dois dias e duas noites, não resta mais que um corpo fadigado e uma mente em frangalhos. Não me surpreendo com a existência de qualquer outro sopro próximo a mim. Nada mais a fazer do que recolher os recados e repassar aos interessados. Diagnósticos confirmados, receituários aplicados. Meu Deus, já não pergunto mais porque eu.

sábado, 16 de agosto de 2008

Música do blog

Vou tentar colocar, mas o problema é entre a cadeira e o micro, rs...

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Para Karen e Valentina

Quando tudo encurtou-se,
Nada mais abrasou-se.
Os sinos aquietaram-se,
E as flores ilharam-se.
...
O sorriso pelo apego
Era esperança por um aconchego.
Mas havia uma enxurrada de cascalhos
E a vastidão de inúmeros atalhos.
...
Sonhos desmesurados
E delicadamente adocicados.
Amor sobre-humano,
Até breve, meu encanto!
O primeiro alvor da manhã mostrava a limpidez que estampava minha janela. Avistei na imensidão daquele céu uma nuvem pequena, única. Ora aparecia, ora escondia-se. Sentia meus olhos hipnotizados à espera daquele desejo inexplicável em poder alcançá-la. Parecia uma criança faiscante por um algodão doce num dia de passeio ao parque. Percebi que aquele segredo não era algo inatingível. Meu Deus, por que surge em mim uma fome diferente a cada dia?

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Hoje, ela pegou o caderninho que estava bem escondido e, depois de lidas algumas folhas, resolveu guardá-lo novamente. Exatamente 25 dias haviam se passado sem nenhuma grande manifestação. Aquela a quem desconfiava surgia nas horas mais impróprias. Incoveniente, astuta e com uma perversidade não impressa em palavras.

Hoje, ela teve medo. O primeiro encontro foi há nove anos, onze meses e muitos dias. Isso significava que nas próximas horas, aquela outra poderia aparecer com alguma má intenção, só para marcar os dez anos.

Hoje, ela ficou em dúvida se havia escolhido o companheiro certo para cuidar de sua filhinha. Seus pais em idade avançada e ninguém mais com quem contar.

Hoje, ela continuava a acreditar que teria mais dez anos ao lado de sua filha.

Hoje, ela também continuava a acreditar que aquela outra a esqueceria de vez.
...
Hoje ainda não havia acabado e de uma certa forma aquela outra sempre mandava um recado: horário dos remédios. Ela os olhava e pensava: pelo menos, eles são coloridos.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

BRAVO!

Moravam na mesma cidade e já haviam sentido aquele friozinho na barriga de quem espera por um telefonema no fim da tarde de uma sexta-feira. Naquele ano, ainda não existia celular, bina, nada que identificasse quem fizesse uma ligação. Quando o telefone tocava na casa, ela corria pra atender. Do outro lado, sempre era a mãe ou alguma amiga querendo um bate-papo. Outras vezes era engano. Outras vezes quando ela pegava o telefone a ligação já havia parado. Ela começou a sentir-se ridícula pela corrida ao telefone. Iniciou, assim, uma série de questionamentos. Como uma balzaquiana, independente, responsável e inteligente, corria à espera de uma ligação?

Ele era um homem meio desligado. Não conseguia guardar o nome das pessoas. Números de telefone, então, nem pensar. Até o da própria casa já havia esquecido uma vez. Porém, também era independente, responsável e inteligente. A angústia causada pela última ligação recebida perdeu-se no tempo. Ele não esperava mais.

Era setembro de uma quinta-feira chuvosa. Cansada, saiu do trabalho sem se importar com o tempo ruim que estava lá fora. A chuva aumentou quando estava próxima ao Teatro Nacional e resolveu parar o carro ali mesmo. Observou que haviam muitos carros estacionados e lembrou-se de que era dia de concerto. Decidiu abrir sua sombrinha e assistir. Seus passos foram corridos, pois percebeu que já iriam impedir a entrada. Meio esbaforida, sentou na primeira cadeira vazia que conseguiu avistar.

Após algumas peças executadas, eis que surge o concerto para piano nr 15 em B maior KV. 450. de Mozart. Ela fechou os olhos e deixou-se absorver pelo colorido esfuziante que aquele instante permitia. Fim de concerto, muitos bravos, e ela foi a última a sair do Teatro. Parecia não querer sair dali.

Surpreendeu-se quando encontrou uma amiga do trabalho que tinha aversão à música clássica. Após alguns minutos, um dos músicos da orquestra aproximou-se e abraçou sua amiga. Ela sabia que sua amiga era separada, então concluiu em poucos segundos que os dois poderiam ser namorados. E por poucos segundos, achou que poderia ser até interessante duas pessoas parecerem tão diferentes e estarem juntas. Outros segundos passados, sua amiga apresentou seu irmão e a convidou para acompanhá-los. Extasiada, ela aceitou. Enquanto sua amiga preparava o jantar, eles conversavam. Era tanto assunto que sua amiga acabou dormindo. Trocaram o número do telefone e o dia seguinte era uma sexta-feira.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Aos cinco anos, Maria Cecília ganhou um passarinho de presente de seu pai. De tão emocionada, não parava de olhar e conversar com o bichinho. O pai de Maria Cecília falou para que ela tivesse muito cuidado com a gaiola onde o passarinho estava, pois ele só iria cortar uma das asas do bichinho depois de uns dias. Obediente que era, ela fez exatamente o que seu pai havia pedido. Passados dois dias, o pai de Maria Cecília disse que na quarta-feira seguinte, ele teria tempo suficiente para cortar a asa do passarinho. De repente, Maria Cecília achou tão estranho aquele bichinho dentro da gaiola. De repente, Maria Cecília achou a gaiola uma coisa esquisita, muito esquisita. De repente, seu coração começou a sentir um apertinho e sua cabeça ficou um tanto embaralhadinha. De repente, o apertinho no coração foi embora, o embaralho na cabeça passou, e uma de suas mãozinhas abriu a estreita porta da gaiola, a outra apanhou o bichinho, e depois de dizer algumas palavras bem baixinho para que ninguém a ouvisse, ela abriu suas mãos de menina e sorriu encantada para a vida.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Depois de tantos ares passados, ela conseguiu perceber a indescritível clareza que alguém já havia lhe tentado contar, mas que ela acreditava nunca alcançar. Aquela névoa, que antes confundia suas retinas, definitivamente, havia se dissipado por meio de uma respiração profunda, carregada de mansidão. Relembrou seus tempos de menina, a antiga casa da chácara e retornou, assim, para a clareza por hora descoberta. Envolvida por seus próprios afagos, sentiu-se liberta, regada para um novo recomeço!

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

DONA JOANINHA

Em 1981, aos 10 anos de idade, eu caminhava e corria devagar pelo eixão na altura da 111 Norte, em Brasília. Ao meu lado, estava Dona Joana conhecida carinhosamente como Dona Joaninha. Lembro-me dos sorrisos serenos, iluminados pelos raios daquela manhã ensolarada e refrescante que tínhamos no rosto. Em algum momento daquela caminhada, Dona Joaninha fez um aceno com uma das mãos indicando um tchau ou um até logo. Com aquele aceno, ela mudou de direção. Repeti o mesmo gesto e ela se foi com um sorriso manso que cintilava em seu corpo. Em outro momento, despertei em Juiz de Fora, Minas Gerais. Algumas horas depois, o telefone tocou e, por certos instantes, uma breve ventania percorreu todos os espacinhos mais recônditos do meu ser. Tempos depois, entendi que o privilégio daquela alegre despedida não mais seria esquecida.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Para João Alberto

A cidade tem nome de santo
Mataram um bombeiro anjo no quartel
A cidade tem nome de santo
As pessoas estão proibidas de olhar pro mesmo céu

A cidade tem nome de santo
Agora ônibus queimado é uma prova, um troféu
A cidade tem nome de santo
Quem são os inocentes naquele arranha-céu?

A cidade tem nome de santo
Um tiro levou o pai de um menino ao mausoléu
A cidade tem nome de santo
Há um helicóptero à disposição daquele réu

A cidade tem nome de santo
O advogado precisa continuar o seu papel
A cidade tem nome de santo
O povo está nas mãos é de um líder de cartel

A cidade tem nome de santo
Quem é que vai apagar as chamas desse frio fogaréu?


João Alberto da Costa, 40 anos, bombeiro, morto no dia 13 de maio de 2006.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u122724.shtml

terça-feira, 29 de julho de 2008

Lágrimas caíam diante daquele corpo nu. Aquele a quem sonhava deitava agora à sua frente. Seria assim o tal reconhecimento? Sozinhos. Era ela, ele e aquele lugar sombrio, totalmente impassível para uma despedida. E tudo o que ela mais desejava era poder colocá-lo em seus braços, mas já não havia mais tempo. E tudo o que ela mais desejava era acordar assustada após um mau presságio. E tudo o que ela mais desejava era ser seu escudo. Mas já não havia mais tempo.
Estava muito seco ao seu redor. E ela não falava do clima. Julho vem acompanhado de seca, disso ela sabia. Ela falava da aspereza na qual aquele homem estava mergulhado. Por mais que ela tentasse, havia um nada. Após algumas idéias mirabolantes, decidiu repousar. Se aquilo era uma fuga, Maria Cecília não disfarçava suas intenções.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

A vida de Estela

Maria Cecília é uma pessoa interessante, frequenta PF brasileiro, PF francês, PF da feira de São Cristóvão, etc. Domingo passado, foi a um francês. Após feito o pedido, Maria Cecília descobriu três passarinhos numa árvore logo a frente. Pareciam estáticos. Em uma mesa ao lado, uma mulher falante, acompanhada por duas amigas, contava sobre a festa da noite passada, etc. Maria Cecília pensou "tudo bem, mas por que ela não fala mais baixo"? Maria Cecília viu que os passarinhos começavam a voar baixo e se movimentavam com extrema delicadeza. A mulher na mesa ao lado começou a citar um tal uruguaio, um tal suíço e sei lá mais qual nacionalidade. Todos supostos amigos dela. Já um pouco cansada de ouvir aquela conversa, resolveu abstrair tudo e até pensou que a mulher poderia não ter noção do som que emitia. Certa vez, Maria Cecília leu que há indivíduos que falam muito alto porque têm algum problema de audição. Após alguns minutos, a tal mulher, num tom zombeteiro, solta a pérola "geléia de goiaba é coisa de brasileiro". Maria Cecília sorriu aos pássaros e pensou que sua implicância inicial talvez não fosse à toa.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

ALL STAR

Durante um ano ouvia essa música todos os dias. Quem trabalhava comigo não entendia o repeteco. Eu, menos ainda. Daí que no primeiro encontro, cada olhar, conversa, e seus pés calçavam all star azul.
Sinais, sempre!

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Será que o tronco foi extinto?

Por volta das 12h, sentada, no local de trabalho, olhei pela janela e vi um grupo de oito pessoas, todos terceirizados. Voltavam com uma marmita, cada um segurando a sua. Eles, quando não trazem a comida de casa, compram de uma pessoa que vende no estacionamento. Ganham R$ 400,00 por mês por 40 horas trabalhadas. Aqui, no trabalho, tem um restaurante, mas eles não têm dinheiro pra pagar a refeição. Mais tarde, na minha sala, surge uma mulher, também terceirizada, para entregar um documento. Entre uma folha de papel e outra, descubro que o pai de seus dois filhos a abandonou há tempos. Ela me diz que "se ele não queria ficar comigo tá bom, mas não fazer uma ligação pra saber como os filhos estão é triste". Com o salário que ganha, já citei acima, fala da dificuldade de pagar o aluguel de R$ 300,00 e de como é dureza não deixar faltar comida aos seus filhos. Ela conta que sábado e domingo passa roupa por R$ 20,00, mas se oferecerem R$ 10,00 ela passa. Conversamos mais, e ela sai.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Início

"Tenho uma emergência: vou brincar". Letícia, 8 anos.

Se tudo tem um início, o daqui foi assim.